Nasce o rio «Jaquirana» ou « Alto Javary » de dous olhos d'agua ou vertedouros no fundo de uma grande grota, formada por dous altos contrafortes de uma grande serra. Aos 66 metros de distancia, estes dous vertedouros se reunem formando pequeno regato, que cahe logo em cachoeira de 4,50 de altura, deixando em sua base pequena bacia. Segue pela grota abaixo em corrego encachoeirado, recebendo, de um e outro lado, filetes d'agua, até á distancia de 198 metros, onde se precipita, formando uma quéda d'agua de 12 metros de altura; continúa em torrente encachoeirada e violenta por mais cinco metros, dividindo-se ahi em duas fortes quédas d'agua, tendo a da direita 27m,8 de altura e a da esquerda 37,3, as quaes formam em sua base uma bella bacia, cavada em leito de pedra. Destas quédas mandei fazer photographias. Da bacia segue o «Javary» emr egato encachoeirado, recebendo de ambas as margens da grota novos filetes d'agua, que vão engrossando. o seu volume até que entra no valle, onde nos abarracámos, tendo antes mandado derribar muitas arvores em um raio de 50 metros afim de poder proceder ás observações necessarias. Durante duas noites e dous dias fiz observações de estrellas e do Sol para determinar as suas coordenadas, as quaes são: Latitude 70-11' 48", 10 Sul. Longitude 73° 47'- 44", 50-Oeste de Greenvich. Altitude 502m,1. Concluido este trabalho e o levantamento do rio até á sua nascente, determinei que a volta se realizasse no dia 2 de setembro. Antes porém da partida fez-se a acta do descobrimento da nascente do rio «Javary», que foi assignada por todo o pessoal da commissão, inferiores e praças do contingente. Em seguida ao almoço mandei formar em frente ao abarracamento todo o pessoal, e de cabeça descoberta ouviram a leitura da acta do descobrimento das nascentes do rio «Javary», lida pelo segundo ajudante. Finda essa leitura, mandei dar tres descargas por toda a força e pessoal da expedição, e depois de breve.e significativa falla, dei um « Viva ao Brazil », o primeiro levantado nestas longinquas e virgens florestas, o qual foi por todos correspondido com enthusiasmo. Depois partiu-se, chegando ao Rayo no dia 3 de setembro. Em todo o trajecto, quer de ida, quer de volta, entre o Rayo e as nascentes do Javary foi a expedição seguida por bandos de selvagens, que levavam a ousadia a ponto de virem durante a noite, junto ao abarracamento imitando gritos de aves e animaes, nada nos acontecendo por causa das grandes precauções tomadas. No Rayo, porém, vieram em grande numero, e á meia noite cercaram o nosso acampamento e barracas de viveres. Presentidos em tempo, mandei para amedrontal-os dar uma descarga para o ar, e como continuassem a se approximar do barracão, mandei fazer fogo na direcção em que se achavam e sómente depois de cinco minutos de fuzilaria é que se retiraram. Estes indios são da tribu dos Capananas, a mais feroz e anthropophaga, que habita estas regiões, conforme informações de caucheiros residentes no alto « Jaquirana ». No dia seguinte, 4 de setembro, pela manhã, mandei carregar as canoas com os viveres, bagagens, instrumentos e ambulancias, partindo para Seis Solis, onde cheguei a 6 de setembro, ás 10 horas e 20 minutos da manhã. Sahi á 1 hora e 35 minutos desse dia e ás 4 horas e 15 minutos, p. m. do dia seguinte cheguei ao rio « Bathan » ou «< Paysandú ». Continuei a viagem á 1 hora e 50 minutos pouco mais, do dia seguinte, chegando a Lontananza ás 3 horas e 35 minutos, p. m. de 10. Ahi me demorei até 1 hora pouco mais do dia 12, para dar descanso ao pessoal já muito fatigado. Cheguei á boca do rio Galvez ás 5 horas e 30 minutos pouco mais do dia 15 e ahi encontrei fundeado o aviso Tocantins, que nos esperava desde 10 do mesmo mez. A's 6 horas da manhã do dia 17 de setembro segui para Nazareth a reboque do aviso, chegando ás 8 horas e 30 minutos p. m. do dia 21. A's 3 horas de 23 de setembro continuei a viagem, chegando a Manáos no no dia 30. No Rayo, Bathan, Galvez, Itecuahy e boca do Javary fiz novas observações para a determinação de suas posições e tenho a satisfação de vos communicar fazerem ellas pouca differença das obtidas quando de Annexo 1 19 subida, o que me dá uma idéa segura do estado dos chronometros, e poder assim apreciar o gráo de exactidão dos trabalhos executados. Todo o pessoal da commissão chegou bastante enfraquecido, não só em consequencia das febres palustres e outras molestias inherentes ao meio, como tambem pela natureza do trabalho, tendo apenas a lamentar a perda do marinheiro nacional Aleixo, fallecido de beriberi a bordo do Aviso, quando subia em direcção á boca do rio Galvez. Inclusa vos envio em original a acta do descobrimento da nascente do rio. Javary e pela agencia da companhia de navegação a vapor Lloyd Brazileiro, desta cidade, amostras de pedras e areias, extrahidas de diversos logares do leito do rio, bem como uma garrafa d'agua do seu vertedouro principal. Eis, Sr. Ministro, em resumo, o resultado dos trabalhos da reexploração do rio Javary, por vós ordenada e que veio esclarecer um ponto geographico até então contestado. Opportunamente vos enviarei os relatorios e os respectivos desenhos. cito-vos. Saude e fraternidade. Augusto da Cunha Gomes, capitão-tenente 2o Commissario. Si foi penosa, cheia de peripecias e lances perigosos a re-exploração do rio «Javary», foi tambem grande de abnegação e patriotismo a dedicação com que todos os membros da Commissão de Limites entre o Brazil e a Bolivia cumpriram á porfia o seu dever, não poupando sacrificios de qualquer natureza e supportando todas as vicissitudes de uma viagem em zona infestada de selvagens e doentia. São esses bravos companheiros dignos do reconhecimento do Governo Federal pela leal dedicação com que serviram a Patria, concorrendo para a verificação de um ponto geographico até então contestado pelas summidades geographicas do Brazil e do estrangeiro. Ao terminar, haveis de me permittir que vos agradeça a confiança com que me honrastes, dando-me a direcção de uma commissão tão ardua quão importante. AUGUSTO DA CUNHA GOMES, Capitão-tenente, 2o Commissario. |